quarta-feira, maio 24, 2006

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Ouve-me, hoje foi o último dia em que acordei e maquilhei a alma e o rosto com cores que já ninguém usa. O corpo há muito que deixou de ser a minha arma, e já nem sequer é meu. Secaram-se-me os seios, mas mesmo assim é o que tenho de melhor para te oferecer. Costumava orgulhar-me deles quando enchiam a palma das tuas mãos. Agora são tristes. O batom vermelho faz de mim ridícula e o risco preto nos olhos que insisto em pintar fica torto à força do tremer das mãos.
Mantive-me numa teimosia absurda de corrigir o que 82 anos fizeram de mim. E como fiz pior... Hoje decidi que vou morrer. Não me vou matar, não teria coragem, fica descansado. Mas decidi que vou deixar-me ir. Quero que esqueças o que te disse acerca do vestido vermelho comprido que queria levar ao meu funeral. Veste-me o preto. Também não quero sapatos. Promete-me!
Deita-te aqui ao pé de mim, meu amor.
Mais juntinho. A partir de hoje, pode ser a última vez.

9 comentários:

guga2004 disse...

Gostei muito deste texto.

bjs Sandra

Jaime disse...

A tua última frase é o segredo de todos os grandes e eternos amores. Beijinhos

Rosa disse...

A vida como ela é...

Marcaquinho do Chinês disse...

muito bonito, só isso. ;)

greentea disse...

pode ser sempre uma última vez...

izzolda disse...

Que bonito texto, mia! A morte é algo que encaro bastante mal, mas espero um dia poder dizer isso, que me deixo ir. Porque isso quererá eventualmente dizer que finalmente aceitei o que acontece sempre...

indigente andrajoso disse...

muito bem, com 82 anos e a "curtir a música ao mesmo tempo que tentava fazer um ar de Yo-Bitch-Kiss-My-Black-Ass bem à maneira" parabens

andrellv disse...

Um abraço...

Margarida Batista disse...

que texto bonito, mia!