Episódios de uma vida insana

4 da manha. Mia acorda entupida e cheia de tosse, levanta-se e dirige-se às cegas até à casa de banho, ao armário dos medicamentos (que na verdade é o mesmo armário do papel higiénico, da cera depilatória, da argila, dos pensos higiénicos e dos tampões, e de toda a inutilidade possível e imaginária que se vai acumulando ao longo dos anos numa casa de banho com pouca arrumação).

Mia pega no comprimido para a gripe, abre a torneira do lavatório e toma-o. Ainda se olha no espelho e suspira antes de voltar para a cama e adormecer.

9 e meia da manhã. Mia acorda com a sensação de que o despertador está a tocar há tempos infinitos. Olha para o telemóvel e demora alguns minutos até perceber que está atrasada para o emprego. Estranhamente não está preocupada, não se levanta num ápice, não blasfema.

Mia sente-se numa bolha, a flutuar, com a sensação que a gripe afinal sempre veio e em força. Mas Mia já esteve com gripe e nunca se sentiu assim! Será gripe das aves?, pensa.

A muito custo consegue levantar-se sem perceber porque está naquele estado. Um sono pesadíssimo insiste em cair sobre as suas palpebras, e Mia luta com todas as suas forças para chegar à sala, ligar a SIC Notícias e viver aquela terça-feira da mesma forma que vive todos os dias úteis da semana.

Não se pode dizer que Mia tenha um bom acordar nem nada que se pareça! Custa-lhe sempre horrores, principalmente quando faz frio. Mas hoje...hoje é diferente e ela não sabe porquê.

Até que lhe surge uma ideia, ainda um pouco difusa, mas que pode fazer sentido. Faz o mesmo percurso que fez naquela madrugada e quando chega ao armário dos medicamentos, procura perceber o que tomou.

A Mia não está com gripe, nem sequer a das aves. A Mia tomou o comprimido errado e precisa urgentemente de tomar dez cafés.