segunda-feira, fevereiro 13, 2006

Os homens preferem as loiras

A Sílvia era a menina mais bonita da minha rua. Era loura como ela só, cabelo ligeiramente encaracolado, olhos a atirar para o verde. A Sílvia tinha sempre as roupas mais giras da rua, lembro-me especialmente de uns calções de licra pretos com uma risca amarela fluorescente dos lados, e umas sabrinas douradas que ela usava.
A Sílvia era a minha melhor amiga às vezes, quando se chateava com a Marta Sofia da rua de baixo e não tinha ninguém com quem brincar. E quando isso acontecia eu sentia-me muito especial, porque não havia nada melhor que ir para casa da avó da Sílvia brincar.
Isto porque a Sílvia tinha os pais separados e passava grandes temporadas em casa da avó, que vivia no prédio em frente ao meu, era meia surda e assim podíamos estar à vontade sem ninguém dar por nós.
O primeiro cigarro que eu fumei foi aos 9 anos, com a Sílvia, na casa de banho da avó dela. Eu fartei-me de tossir, e fiquei muito ofendida quando ela, com um pé em cima do tampo da sanita e a mão na cintura se riu de mim "tu não sabes mesmo fumar, Mia".
A Sílvia tinha sempre namorado e eu nunca tinha. A minha grande paixão da altura era o Armando da rua de baixo, que era mais velho que eu dois anos. O Armando (ou Armandinho, como o meu pai lhe chamava para se meter comigo) jogava comigo à bola, às escondidas e à apanhada - rebentábolhaaaaaaaaa -, mas gostava da Sílvia. Tal como o Pedro, o Paulinho, o Bruno e o Cabeça-de-Gira-Discos.
A Sílvia não lhe ligava nenhuma, a não ser quando era para ir a casa dele ver o Pesadelo em Elm Street, porque ele tinha a maior televisão lá da rua.
Uma vez nas férias do Verão, estava com o Armando sentada à porta do meu prédio e ele pediu-me para entregar uma carta de amor à Sílvia. E eu entreguei.
Foi também no Verão (o Verão naquela altura não é como hoje, durava uma eternidade), que ele me perguntou porque é que eu não tirava os pelos das pernas, coisa que só me apercebi que tinha quando ele falou nisso. Agarrei na gillette do meu pai e tirei os pelos de uma vez para sempre - pensei eu na altura.
Naquela época eu dormia de tranças com o cabelo molhado para no dia seguinte ele estar encaracolado, e quando ouvi certos rumores de que a Água Oxigenada punha o cabelo loiro, agarrei no frasco lá de casa e encharquei o cabelo.
Não fiquei loira como a Sílvia e tive que cortar o cabelo queimado.
Nunca tive nada com o Armando, nem sequer naquela vez que eu e a Marta Sofia nos enfiámos na dispensa da Casa da Porteira com o Armando e o Pedro para dar beijinhos. A mim calhou-me o Pedro e eu fugi.
Há pouco tempo revi estas personagens da minha infância. O Armando está casado, à espera de bebé e é o homem mais feio da Europa.
A Sílvia está acabada, faltam-lhe dentes e as olheiras são até aos joelhos. Não sei a vida que leva, mas desconfio.
Continua loira.

11 comentários:

André Parente disse...

Muito bom!

disse...

É verdade, os verões de antigamente eram muito mais compridos, pareciam intermináveis. Também fumei o meu primeiro cigarro, assim, precocemente, hoje raramente fumo.
Os rapazes giros do antigamente também são os homens mais feios, não da europa, mas talvez da minha rua, ou bairro:)

Adorei o post

Ana Elias disse...

Adorei, Mia! Adorei.
É muito engraçado fazer estas revisões do passado e concluir que os heróis mudam cá com uma pinta.
As boazonas da nossa infância e adolescência tornaram-se (a maioria) em farrapos humanos...
Eu nessa idade detestava o meu nome, e adoraria que me tivessem escolhido outro: Vera Lúcia. LOL.
Ainda bem (obrigada mãezinha) por eu não ser a Vera Lúcia. Não tem nada a ver comigo.

Charlotte disse...

he!he! E qdo os mais giros ficam super gordos e claro sem cabelo lolol.

Rosa disse...

Ehehehehh! A Sílvia da minha vida chamava-se Sandra. E o "meu" Armando, Chistian. De resto, a história parece decalcada! :))

apipocamaisdoce disse...

Ah ah!!!! As sonsas acabam assim, desdentadas! Bem feito!

Mia disse...

Kwan,
Obrigada :)

Pé,
Ainda bem que a vida nos dá mais hipóteses de escolha. Olha agora termos que ficar com a primeira opção! Medo!

Lótus,
Vera Lúcia????!!! Ainda bem que já te passou!

Charlotte,
O Armando estava magro demais!!
Mas a mulher dele era gira!

Rosa,
Acho que os anos 80 foram iguais para toda a gente! lol

ForgottenHeroin,
Dás contigo a pensar: como é que um puto tão giro ficou um homem tão desinteressante?

Pipoca,
Aquela sonsa de que falavas há uns tempos (a da dança) também está desdentada?

. disse...

Querida Mia,

há muito tempo que não lia nada tão bonito. Obrigada...

**

Mia disse...

Rosebud,
:*

izzolda disse...

Adorei a história, Mia! :)

É engraçado relembrar essas coisas da infância. Eu a partir dos 5 andei quase sempre atrelada à minha irmã e não convivia tanto com outras amigas. Lembro-me de uma Marisa, vizinha da minha avó, que dizia montes de asneirolas; admirava-a com um misto de escândalo e entusiasmo por ela as dizer sem medo e porque ela era mais velha. E lembro-me de pouco mais, porque isso foi aos 4/5 anos...por onde andará essa Marisa?...Lembro-me também de um vizinho por quem tive uma paixoneta durante imenso tempo e que agora é feio (e mormon, mas isso até nem seria grande problema se me convertesse, lol!). E de outro apaixonado que agora é gordo como um pipo.

Como é que será que essas pessoas nos veriam agora...tsss tssss....

Anónimo disse...

lololololol o que eu me ri senhores!