A Sílvia era a menina mais bonita da minha rua. Era loura como ela só, cabelo ligeiramente encaracolado, olhos a atirar para o verde. A Sílvia tinha sempre as roupas mais giras da rua, lembro-me especialmente de uns calções de licra pretos com uma risca amarela fluorescente dos lados, e umas sabrinas douradas que ela usava.
A Sílvia era a minha melhor amiga às vezes, quando se chateava com a Marta Sofia da rua de baixo e não tinha ninguém com quem brincar. E quando isso acontecia eu sentia-me muito especial, porque não havia nada melhor que ir para casa da avó da Sílvia brincar.
Isto porque a Sílvia tinha os pais separados e passava grandes temporadas em casa da avó, que vivia no prédio em frente ao meu, era meia surda e assim podíamos estar à vontade sem ninguém dar por nós.
O primeiro cigarro que eu fumei foi aos 9 anos, com a Sílvia, na casa de banho da avó dela. Eu fartei-me de tossir, e fiquei muito ofendida quando ela, com um pé em cima do tampo da sanita e a mão na cintura se riu de mim "tu não sabes mesmo fumar, Mia".
A Sílvia tinha sempre namorado e eu nunca tinha. A minha grande paixão da altura era o Armando da rua de baixo, que era mais velho que eu dois anos. O Armando (ou Armandinho, como o meu pai lhe chamava para se meter comigo) jogava comigo à bola, às escondidas e à apanhada - rebentábolhaaaaaaaaa -, mas gostava da Sílvia. Tal como o Pedro, o Paulinho, o Bruno e o Cabeça-de-Gira-Discos.
A Sílvia não lhe ligava nenhuma, a não ser quando era para ir a casa dele ver o Pesadelo em Elm Street, porque ele tinha a maior televisão lá da rua.
Uma vez nas férias do Verão, estava com o Armando sentada à porta do meu prédio e ele pediu-me para entregar uma carta de amor à Sílvia. E eu entreguei.
Foi também no Verão (o Verão naquela altura não é como hoje, durava uma eternidade), que ele me perguntou porque é que eu não tirava os pelos das pernas, coisa que só me apercebi que tinha quando ele falou nisso. Agarrei na gillette do meu pai e tirei os pelos de uma vez para sempre - pensei eu na altura.
Naquela época eu dormia de tranças com o cabelo molhado para no dia seguinte ele estar encaracolado, e quando ouvi certos rumores de que a Água Oxigenada punha o cabelo loiro, agarrei no frasco lá de casa e encharquei o cabelo.
Não fiquei loira como a Sílvia e tive que cortar o cabelo queimado.
Nunca tive nada com o Armando, nem sequer naquela vez que eu e a Marta Sofia nos enfiámos na dispensa da Casa da Porteira com o Armando e o Pedro para dar beijinhos. A mim calhou-me o Pedro e eu fugi.
Há pouco tempo revi estas personagens da minha infância. O Armando está casado, à espera de bebé e é o homem mais feio da Europa.
A Sílvia está acabada, faltam-lhe dentes e as olheiras são até aos joelhos. Não sei a vida que leva, mas desconfio.
Continua loira.
11 comentários:
Muito bom!
É verdade, os verões de antigamente eram muito mais compridos, pareciam intermináveis. Também fumei o meu primeiro cigarro, assim, precocemente, hoje raramente fumo.
Os rapazes giros do antigamente também são os homens mais feios, não da europa, mas talvez da minha rua, ou bairro:)
Adorei o post
Adorei, Mia! Adorei.
É muito engraçado fazer estas revisões do passado e concluir que os heróis mudam cá com uma pinta.
As boazonas da nossa infância e adolescência tornaram-se (a maioria) em farrapos humanos...
Eu nessa idade detestava o meu nome, e adoraria que me tivessem escolhido outro: Vera Lúcia. LOL.
Ainda bem (obrigada mãezinha) por eu não ser a Vera Lúcia. Não tem nada a ver comigo.
he!he! E qdo os mais giros ficam super gordos e claro sem cabelo lolol.
Ehehehehh! A Sílvia da minha vida chamava-se Sandra. E o "meu" Armando, Chistian. De resto, a história parece decalcada! :))
Ah ah!!!! As sonsas acabam assim, desdentadas! Bem feito!
Kwan,
Obrigada :)
Pé,
Ainda bem que a vida nos dá mais hipóteses de escolha. Olha agora termos que ficar com a primeira opção! Medo!
Lótus,
Vera Lúcia????!!! Ainda bem que já te passou!
Charlotte,
O Armando estava magro demais!!
Mas a mulher dele era gira!
Rosa,
Acho que os anos 80 foram iguais para toda a gente! lol
ForgottenHeroin,
Dás contigo a pensar: como é que um puto tão giro ficou um homem tão desinteressante?
Pipoca,
Aquela sonsa de que falavas há uns tempos (a da dança) também está desdentada?
Querida Mia,
há muito tempo que não lia nada tão bonito. Obrigada...
**
Rosebud,
:*
Adorei a história, Mia! :)
É engraçado relembrar essas coisas da infância. Eu a partir dos 5 andei quase sempre atrelada à minha irmã e não convivia tanto com outras amigas. Lembro-me de uma Marisa, vizinha da minha avó, que dizia montes de asneirolas; admirava-a com um misto de escândalo e entusiasmo por ela as dizer sem medo e porque ela era mais velha. E lembro-me de pouco mais, porque isso foi aos 4/5 anos...por onde andará essa Marisa?...Lembro-me também de um vizinho por quem tive uma paixoneta durante imenso tempo e que agora é feio (e mormon, mas isso até nem seria grande problema se me convertesse, lol!). E de outro apaixonado que agora é gordo como um pipo.
Como é que será que essas pessoas nos veriam agora...tsss tssss....
lololololol o que eu me ri senhores!
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