O meu irmão
Quando o meu irmão nasceu, o meu coração deixou de viver no meu peito e passou a estar com ele.
Não o soube logo. Quando somos pequenos o mundo é mais fácil, mas confundimos os sentimentos e as emoções. Ao mesmo tempo que me revoltava com a impunidade que gozam os irmãos mais novos, quando a Professora Fernanda me pediu que fizesse uma composição sobre a minha família, escrevi que se houvesse um fogo na minha casa e eu só pudesse salvar uma pessoa, seria o meu irmão. E era verdade. (Depois acrescentei que a pessoa a salvar imediatamente a seguir seria o Sarafim, o urso. Foi a minha primeira composição afixada no quadro de honra.)
Tínhamos palavras inventadas, algumas não queriam dizer absolutamente nada, mas o som fazia-nos rir até à inconsciência, daquele riso incontrolável e contagiante. Ríamos tanto, que às tantas já nenhum de nós se lembrava do que estávamos a rir. E ríamos mais ainda.
Com três anos de diferença, não é difícil imaginar as bulhas constantes: se há alguém que consegue entrar-me nos nervos é ele. Primeiro ganhava-as eu, depois ele cresceu e ficou mais forte e eu passei a usar a manipulação em vez da força: se há alguém que consegue amolecer-lhe o coração sou eu.
Não temos personalidades parecidas. Ele é o ponderado, o equilibrado, o responsável, o objectivo, o justo. Eu sou aquilo que vocês já sabem.
Mas somos farinha do mesmo saco. Ficamos emocionados com as mesmas coisas, rimos das mesmas piadas, temos os mesmos valores. O meu irmão é "a minha pessoa", a minha cara-metade.
Sei que este amor só é possível, desta forma, com este sentimento de pertença, porque a alegria da nossa infância veio de mãos dadas com o pesadelo que nenhuma criança deveria viver. Isso fez-nos unidos, como soldados e companheiros de guerra. Ninguém, para além do meu irmão, sabe como foi. Acho que estas coisas nos salvam da loucura.
Já andava na faculdade em Lisboa, e às 3 da manhã recebo um telefonema dele, bêbado, a chorar, na festa de final do secundário. Disse-me que me adorava, que tinha orgulho em mim e que eu era um exemplo para ele.
Meio atordoada, despachei-o com uma piada qualquer antes de desligar o telefone. Típico meu. E chorei sozinha. Porque sentia exactamente o mesmo em relação a ele e nunca lhe tinha conseguido dizer, nem sóbria, nem bêbada.
Hoje, o meu irmão é um homem, dos melhores que eu conheço. Anda pelo mundo a perseguir sonhos. Os sonhos dele. Teve a sorte de perceber aos 25, que o caminho que escolheu iria fazer dele um homem infeliz aos 45.
Está longe, o meu irmão. Mas já vos disse: quando nasceu, o meu coração deixou de viver no meu peito e passou a estar com ele.
Quando o meu irmão nasceu, o meu coração deixou de viver no meu peito e passou a estar com ele.
Não o soube logo. Quando somos pequenos o mundo é mais fácil, mas confundimos os sentimentos e as emoções. Ao mesmo tempo que me revoltava com a impunidade que gozam os irmãos mais novos, quando a Professora Fernanda me pediu que fizesse uma composição sobre a minha família, escrevi que se houvesse um fogo na minha casa e eu só pudesse salvar uma pessoa, seria o meu irmão. E era verdade. (Depois acrescentei que a pessoa a salvar imediatamente a seguir seria o Sarafim, o urso. Foi a minha primeira composição afixada no quadro de honra.)
Tínhamos palavras inventadas, algumas não queriam dizer absolutamente nada, mas o som fazia-nos rir até à inconsciência, daquele riso incontrolável e contagiante. Ríamos tanto, que às tantas já nenhum de nós se lembrava do que estávamos a rir. E ríamos mais ainda.
Com três anos de diferença, não é difícil imaginar as bulhas constantes: se há alguém que consegue entrar-me nos nervos é ele. Primeiro ganhava-as eu, depois ele cresceu e ficou mais forte e eu passei a usar a manipulação em vez da força: se há alguém que consegue amolecer-lhe o coração sou eu.
Não temos personalidades parecidas. Ele é o ponderado, o equilibrado, o responsável, o objectivo, o justo. Eu sou aquilo que vocês já sabem.
Mas somos farinha do mesmo saco. Ficamos emocionados com as mesmas coisas, rimos das mesmas piadas, temos os mesmos valores. O meu irmão é "a minha pessoa", a minha cara-metade.
Sei que este amor só é possível, desta forma, com este sentimento de pertença, porque a alegria da nossa infância veio de mãos dadas com o pesadelo que nenhuma criança deveria viver. Isso fez-nos unidos, como soldados e companheiros de guerra. Ninguém, para além do meu irmão, sabe como foi. Acho que estas coisas nos salvam da loucura.
Já andava na faculdade em Lisboa, e às 3 da manhã recebo um telefonema dele, bêbado, a chorar, na festa de final do secundário. Disse-me que me adorava, que tinha orgulho em mim e que eu era um exemplo para ele.
Meio atordoada, despachei-o com uma piada qualquer antes de desligar o telefone. Típico meu. E chorei sozinha. Porque sentia exactamente o mesmo em relação a ele e nunca lhe tinha conseguido dizer, nem sóbria, nem bêbada.
Hoje, o meu irmão é um homem, dos melhores que eu conheço. Anda pelo mundo a perseguir sonhos. Os sonhos dele. Teve a sorte de perceber aos 25, que o caminho que escolheu iria fazer dele um homem infeliz aos 45.
Está longe, o meu irmão. Mas já vos disse: quando nasceu, o meu coração deixou de viver no meu peito e passou a estar com ele.
13 comentários:
Não imaginas o sorriso "parvo" com que fiquei ao ler este post.
Também eu tenho uma paixão daquelAS pelo meu irmão, também eu nunca fui capaz de lho dizer (nem ele a mim!)...mas não somos assim tao próximos, talvez pelos 8 anos de diferença e de eu ser sempre a irmã mais nova, a menina.
Mas por várias coisas, pequeninas até, vejo que ele sente o mesmo. E é tão bom!
E tantas vezes que penso que ninguem me faria mais falta do que ele.. É assim. ;)
Bonito.:)
para mim o melhor deste texto é a reminiscência à expressão "andar à bulha" ;)
Ultimamente andas com inspiração digna de cartapácio rebéubénicó-emocional. (hã, estive bem, agora).
Não tenho irmão mas consigo pôr o teu coração em todos os caracteres do texto. Well done. :P
Arrepio! Bom!
:-)
Gostava de ter tido um irmão ou uma irmã desde pequena (o meu nasceu eu já tinha 21 anos e está longe, pouco ou nada acompanhei o crescimento dele). E isso que descreves é aquilo que eu sempre achei que devia ser.
Obrigada pela partilha.
(agora só porque o comentário estava muito sério, se era para ter um irmão, queria mais velho, para ter amigos giros para apresentar! :P )
Tudo o que sinto tu escreveste! Parabéns!
Olá. O meu nome é Carina e sou uma perfeita exploradora deste mundo que é o dos blogues, mas não podia de deixar de comentar este post, aliás é a primeira vez que o faço, porque afinal era exactamente esta a relação que gostaria de ter com os meus irmãos mais velhos e não consegui. Ao ler este post emocionei-me!!!! Como o mundo seria melhor se houvesse mais destes sentimentos. Parabéns por teres conseguido aquilo que eu não consegui e lembra-te que nunca é tarde de mais para dizeremos o quanto amamos as pessoas que nos estão próximas seja quando estamos sóbrias ou bêbadas. Sim porque os bêbados também dizem verdades!!! As melhores felicidades são os votos que te deixo! E continua a escrever assim... que eu vou continuar por cá a ler!
soooooooooo sweet, Mia.
Viva a Mia e o mano dela!
Adorei o teu post e o teu blog! Tb tenho um irmao mais novo e tb somos super unidos e adoramos-nos por isso identifico-me mnt com o teu post!
xoxo
Que bonito post! Também costumo dizer que a minha irmã (três anos mais velha) é a minha cara-metade. E também estamos muito distantes, mas o meu coração está sempre com ela :)
Estou a ponderar não te ler mais hoje...ja estou a chorar outra vez...eu estou grávida é certo mas as lagrimas nao são das "hormonias" é mesmo do que escreves...
Muito bom !
Enviar um comentário